domingo, 24 de março de 2013

Pode me chamar de Chico!


- [toc toc toc]
- [Pode entrar!]
- [Porta abrindo] Com licença...
- Pois não! Pode entrar seu... Francisco?
- Não!
- Mas aqui na sua ficha tá escrito Chico. Achei que fosse um apelido.
- Mas não é não.
- Então tá, Chico. Confesso estranhar que alguém se chame só Chico.
- Mas não me chamo Chico. Quero que o senhor me chame de Chico.
- E qual seu nome então?
- Chico.

O homem o observa impaciente e prossegue.
- Tudo bem então, Chico. É a sua primeira vez?
- Sim!
- E o que te traz aqui?
- Nem sei por onde começar...
- Vejamos, algum problema o incomoda?
- Olha, se eu for falar dos problemas que me incomodam, vamos ter que ficar bem mais que uma hora aqui.
- Pois bem, comecemos pelo início.
- Ok.
- Então, fale sobre algo que lhe incomoda.
- Eu amo a minha namorada.
- E isso é um problema?
- É e não é!
- Explique-se
- Ué, não é, pois é natural que eu ame a minha namorada.
- E por que isso seria um problema?
- É que nós somos incompatíveis...
- Por que você acha isso?
- Eu não acho. Tenho certeza.
- Ok! Mas por quê?
- Bom, somos incompatíveis. Nos amamos, não tenho dúvidas disso, mas somos incompatíveis. Nossos gostos e estilos de vida são quase totalmente diferentes. 90% do que eu faço ou como penso, desagrada ela e o inverso também é verdade.
- Então por que seguem juntos?
- O senhor não está prestando atenção? Nós nos amamos.  Muito!
- E esse amor é suficiente pra manter isso?
- Não sei.
- Isso te faz mal?
- Às vezes!
- Por quê?
- É muito ruim ver que você é totalmente diferente da pessoa que ama.
- Mas o que fez você se apaixonar por ela?
- Ah, nunca se sabe ao certo. O jeito, a beleza, a inteligência, várias coisas.
- Então vocês não são tão incompatíveis assim.
- Somos sim.
- E isso tem solução?
- Não sei, acho que não...
- Então você quer terminar com ela e não sabe como?
- Não. De jeito nenhum. O Senhor não entendeu ainda. Eu AMO essa mulher.
- Mas esse amor compensa a incompatibilidade?
- Não sei. Espero que sim, eu quero que compense.
- E como fazer isso?
- É por isso que estou aqui.
- Acha que eu tenho a solução?
- Não, mas de repente podia tentar ajudar.
- Estou tentando.
- Ok

O silêncio se faz presente na sala. Até que o homem retoma.
- Mas então, Chico. Por que não quer me dizer seu nome?
- Mas Chico não serve?
- Seu nome verdadeiro seria melhor.
- Por quê?
- Por que esconder?
- Não estou escondendo, apenas quero ser chamado de Chico.
- É isso que não entendo.
- Ué, o Papa não é Francisco. Que seja uma homenagem ao Papa. (risos)
- Então você é católico?
- Não!

O homem franze a testa, observa o interlocutor e continua.
- Bom, deixa para lá. Voltamos ao seu problema.
- Ok.
- Fale um pouco mais sobre essa incompatibilidade.
- Por quê?
- Para que eu possa tentar ajudar.
- Hum.
- Quanto tempo faz que estão namorando?
- Dois anos e meio.
- E só percebeu isso agora?
- Não, desde o começo.
- E valeu a pena suportar isso por todo esse tempo?
- Na maioria do tempo sim.
- Como assim?
- Bom, eu amo ela e fico muito feliz de ter alguém para amar e ser amado. Compartilhamos muitos sonhos e desejos. É bom ter isso.
- Mas se vocês compartilham isso, você não acha que está exagerando?
- No que?
- Nessa tal incompatibilidade.
- Foi por isso que eu disse 90% e não 100%.
- Então você acha esse amor impossível?
- Existe o impossível?
- Talvez isso que vocês sentem seja.
- Por quê?
- Bom, você disse que se amam, mas são incompatíveis. Talvez isso torne o amor de vocês impossível.
- Não concordo.
- Por que não?
- Por que eu acho nosso amor bem possível.
- Não achas que está sendo teimoso?
- Talvez!
- O que ela acha disso?
- Não sei, mas acho que já percebeu o mesmo que eu.
- E você acha que ela quer terminar por causa disso?
- Não sei, só sei que ela me ama também, muito.
- Por que tanta certeza?
- Se não amasse, com todos os meus erros, já teria terminado.
- Erros?
- Sim!
- Que erros?
- Mais uma coisa que iria levar muito tempo para falar tudo.
- O principal?
- Ciúmes.

Mais um momento de silêncio. O homem olha para o relógio e retoma.
- Bom, acho que vamos precisar conversar muito ainda para achar uma solução para o seu problema.
- Ué, já acabou?
- Quase.
- Que rápido!
- O tempo passa rápido quando a conversa é boa, mas você pode marcar outra hora.
- Vou pensar a respeito.
- Espero poder ajudar.
- Também espero. Gostaria muito de sair com algum conselho daqui.
- Você veio atrás de um conselho?
- Não sei. Esperava mais.
- Esperava a solução?
- Não, a solução é o amor que eu sinto.
- Então use isso.
- Eu tento.
- E não funciona?
- Às vezes.
- Como assim?
- Meu tempo não estava acabando?
- Você quer ir embora?
- Se o tempo terminar, vou embora.
- Ok. Temos uns minutinhos ainda.
- Ok.
- Então. Por que não funciona?
- Não sei bem. Deve ser culpa da incompatibilidade.
- E você acha que esse sentimento pode suprir essas diferenças?
- Sim!
- Por quê?
- Porque é o que queremos, é por isso que lutamos.
- Pelo amor?
- Sim.
- Mas se isso te faz sofrer, vale à pena continuar lutando?
- Penso que sofreria mais sem isso.
- Você não tem certeza disso.
- Claro que não.
- Então por que continuar?
- Pois é...
- Você não sabe?
- Sei.
- Então, por que continuar?
- Outro dia pensei que tinha terminado.
- E o que aconteceu?
- Fiquei em choque.
- Como assim?
- Não sei bem. Só em pensar no fim.
- Seria tão ruim assim?
- Seria.
- Acha que isso é motivo para continuar?
- Sim. Acredito nesse amor.


Novo silêncio.
- Bom, nosso tempo acabou.
- Ok!
- Vai marcar outro horário?
- Vou pensar.
- Ok então! Fique à vontade!
- Obrigado!
- Até mais, Chico!
- Até!

O texto acima foi escrito para o desafio do Duelo de escritores