Neto andava de um lado a outro do quarto sem saber o que fazer. Sua vontade era desistir. Desistir de tudo, desistir da vida. Não sabia bem de onde vinha aquele sentimento, porque estava assim. Mas era a vontade que tinha.
Impaciente e agitado, sentiu-se incomodado pelo barulho da televisão ainda ligada. Foi até ela e desligou. Voltou até a cama, mãos na cintura, lábios retraídos, testa enrugada, olhando para o chão. Sentou-se por um momento na cama e olhou para sua esquerda. A janela do apartamento, ainda aberta, lhe apresentava a vista da cidade, agora silenciosa graças ao avançado da hora.
Não conseguiria dormir, pensou. Levantou-se novamente, olhou para um velho relógio de parede que marcava 4h47. Estava tarde, mas mesmo assim, espichou o braço até uma estante e pegou um molho de chaves. Dirigiu-se, decidido, até a porta do apartamento. Sentia-se preso ali dentro, sem ar. Precisava respirar, pensar, achar uma saída.
Abriu e fechou a porta com cuidado para não incomodar os vizinhos. Da mesma forma desceu as escadas e abriu a porta que o levou até o hall de entrada do prédio. Seguiu em frente, caminhando em direção ao portão. Passou em seu caminho pelo porteiro. Um senhor de cabelos brancos, que àquela altura, estava recostado em sua cadeira, uma pequena televisão ligada a sua frente. No silêncio da madrugada, o barulho da TV misturava-se ao ronco do "Seu Zé", como o porteiro era chamado pelos moradores. "Dormindo hein...", pensou Neto ao passar pelo local tentando fazer o mínimo de barulho para não ser percebido.
Passou pelo portão e pisou na calçada. Sentiu a brisa da madrugada gelada. A chuva, que cessara há poucos minutos, podia voltar a qualquer instante, mas ele não ligava para isso. Olhou para um lado e para o outro. Como esperado, a rua estava deserta. Fechou seu casaco, enfiou as mãos nos bolsos e voltou a caminhar. Para onde? Nem ele sabia. Apenas caminhava.
A paisagem a sua volta era conhecida, afinal, passava por ali todos os dias a caminho do trabalho. A diferença é que desta vez estava sozinho. Ou pelo menos parecia estar.
Seguiu em frente a passos largos, determinados, olhando para o chão. Sentiu os primeiros pingos de chuva tocando em sua cabeça, mas não cogitou retornar. Cobriu a cabeça com o capuz e continuou caminhando. Andou sem pensar para onde ia. Queria apenas caminhar, sem pensar, sem planejar, sem lembrar...
Passado algum tempo, sentiu-se cansado. Olhou para o relógio em seu pulso. Passava das 5h30 da manhã. Neto havia caminhado por quase 45 minutos. A paisagem já não era a mesma. Ele nem bem sabia em que parte da cidade se encontrava. A chuva continuava a cair, fraca, mas teimosa. Estava encharcado. Olhou em frente e na primeira esquina dobrou à direita. Não fazia ideia de onde iria parar ao dobrar ali, mas seguiu caminhando.
Aos poucos seus pensamentos voltaram a procurar uma explicação para aquilo que estava sentindo. Por que? Era a pergunta que se fazia, sem saber a resposta.
Algumas quadras a frente, dobrou novamente, dessa vez para a esquerda. Caminhou por cerca de 20 minutos e percebeu que entrara em uma rua sem saída. Mais alguns passos e parou. Estava diante de um muro alto. Olhou para o obstáculo a sua frente. Não via como ultrapassá-lo. De súbito sorriu. Era assim que se sentia em sua vida: preso, sem saída.
Olhou para a direita e viu casas simples. Girou a cabeça para a esquerda e contemplou paisagem semelhante. Voltou a fitar o chão e ali ficou, parado, olhando para o asfalto molhado. Depois de um tempo voltou a olhar para o muro a sua frente. Sorriu e olhou para trás.
Deu meia volta. Olhou em frente e voltou a caminhar. A chuva havia parado e a escuridão da noite começava a dar lugar aos primeiros sinais do amanhecer. Os passos agora eram lentos e o semblante preocupado dera lugar a uma expressão de satisfação. Sentia sono, sentia fome, sentia cansaço, mas ao mesmo tempo sentia-se forte. Não iria desistir. Precisava voltar e tentar um novo caminho, pensou ele, mas não para aquela caminhada na madrugada fria. Essa já havia terminado.