quarta-feira, 23 de maio de 2012

A Profecia

- Bom dia, seu João! Friozinho hoje!?!

- Bom dia seu José Carlos... pois é, deu uma baixada mesmo na temperatura...

Assim Zeca começava mais um dia de sua entediante existência. E o adjetivo vinha bem a calhar, de acordo com o comportamento do nosso personagem.

Todo dia ele gastava horas reclamando da vida. Fosse no trabalho, onde os colegas até já estavam acostumados com suas lamentações, ou para os poucos amigos que tinha, ou ainda quando falava sozinho. E isso ele fazia muito.

Saiu do prédio onde morava e sentiu o vento frio que corria forte. Início de julho e o inverno finalmente mostrava a que veio. Uma coisa a menos para ele reclamar, talvez, já que vivia resmungando pelas altas temperaturas.

Por isso, elevou suavemente sua cabeça, como quem olha para o céu e deixou o vento lhe encher o rosto. “Ô coisa boa!”, pensou e seguiu adiante, rumo à estação do metrô.

Eram cinco quadras de certa calmaria, apesar do ritmo apressado das passadas. Mas o pior estava por vir. Horário de pico, todo mundo parecia querer pegar o mesmo trem, rumo ao mesmo destino. Resultado: aquela muvuca danada, empurra daqui, esbarra dali. Estava aí um “prato cheio” para Zeca mergulhar em reclamações.

Assim que entrou no vagão, buscou um lugar onde pudesse se segurar para não cair. “Cair pra onde nesse troço lotado!?!” resmungou. Quem estava perto ouviu e logo se formou um coro de reclamações. Todos ali tinham uma certa indignação com o que ocorria e todo dia era a mesma coisa. Bastava um comentário de como aquilo era absurdo, para quem estivesse por perto se manifestar. Era pior que conversa de comadre.

Em meio ao “bate boca”, Zeca quase perdeu a estação onde deveria descer. Saiu às pressas, empurrando meio mundo, sendo xingado por muita gente, mas enfim, saiu do trem. “Ufa!”

Mas a jornada até o local de trabalho ainda não acabara. Agora precisava andar mais duas quadras, atravessar a praça da Matriz, e enfim chegaria ao prédio. “Nem sei pra que tanta pressa. Não importa o quão cuidadoso eu seja com o horário, aquele mala do seu Norberto sempre tem um motivo pra pegar no meu pé”, resmungou mais uma vez, enquanto ainda ajeitava o terno, que depois da “batalha do metrô”, encontrava-se todo amarrotado.

Alinhado novamente, segurou firme na pastinha de couro, na cor preta, e seguiu em frente. Quando distraiu o olhar para a rua, acabou esbarrando em uma pessoa. Educado, voltou-se na mesma hora para se desculpar.

Espantado ficou quando se deparou com uma senhora um tanto esquisita, que lhe encarava em tom ameaçador. Cabelos brancos, com aspecto de sujo, roupa velha, mal cuidada. A velha, coitada, era um maltrapilho em forma de gente. Zeca a encarou por alguns segundos e lhe dirigiu a palavra, desculpando-se pelo esbarrão.

Como ela nada respondera e permanecia com o olhar fixo para ele, ficou intrigado. A senhora parecia querer enxergar além dos seus olhos. Zeca não sabia se sorria, se virava as costas e ia embora, ou se tentava falar novamente com ela. Foram poucos segundos naquela posição, mas com o mundo ao redor parecendo estar em câmera lenta, pareciam horas.

A velha finalmente desviou o olhar, fitou o chão por alguns instantes e balbuciou algumas frases que Zeca não conseguia entender. Quando ele já se preparava para ir em frente, ela voltou a olhar em seus olhos e finalmente respondeu. “Sua vida inteira vai mudar, quando a lua cheia chegar”, foi o que ela disse antes de virar e seguir sua caminhada.


O texto acima foi escrito para o desafio do Duelo de escritores.

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