Todo dia o menino cumpria a mesma rotina. Por volta das 4hs da tarde saía de casa em direção à padaria. Sua missão era simples: comprar pão para o café da tarde da família. Ele às vezes estava sem vontade de fazer o que lhe cabia, mas como era sua tarefa diária, acabava cumprindo, só acabava indo mais tarde às vezes. Mas sempre tinha o cuidado de ir antes de sua mão chegar do trabalho, para evitar a bronca.
No trajeto até a padaria, cerca de 10 quadras, o que dava uns 15min para ir e outros 15min para voltar, ele simplesmente mergulhava na sua própria imaginação. Cada pessoa, cada casa, cada acontecimento no trajeto, ele misturava com sua fértil imaginação e bolava histórias incríveis, enquanto caminhava e contava as lajotas da calçada.
Se um passarinho atravessava seu caminho, ele logo imaginava onde estaria indo ou como é a vida de um passarinho. Se o sol estivesse muito quente, ficava pensando como seria estar no sol, ou na lua, ou simplesmente no espaço. O vento soprava forte e ele pensava logo se teria alguma forma de ver o vento. E assim ele seguia, com sua imaginação, sua insistente mania de ficar contando as lajotas de cada calçada e uma competição consigo mesmo, de tentar sempre fazer o trajeto em menos tempo que das outras vezes. Ou seja, mesmo não tendo muita vontade de realizar aquela tarefa diária, ele sempre acabava se divertindo, graças a sua imaginação sempre muito atuante.
O problema é que em alguns dias o trajeto se transformava em um verdadeiro incomodo. Isso porque na quadra seguinte a da sua casa, morava um outro menino, um pouco mais velho e maior que ele. Este outro aparecia alguns dias sim, outros não, e insistia em implicar com o menino sempre que ele passava. Um dia era apenas um xingamento pejorativo, em outros, era algumas frutinhas ou pedrinhas que voavam em sua direção.
Aquilo deixava ele intrigado, além de, obviamente, incomodado.
Não entendia porque o outro garoto gostava tanto de incomodá-lo, já que nunca havia feito nada para merecer tal comportamento. Normalmente, quando avistava de longe o tal garoto, tratava logo de atravessar a rua e alguns dias até mesmo mudava o trajeto, só para não ser atingido por alguma pedrinha ou ter que ouvir os xingamentos.
Sabia que aquilo era até um ato covarde de sua parte, mas pensava, no alto dos seus 11 anos, que não havia necessidade de brigar com o outro garoto. Sempre aprendera, na escola, ou mesmo em casa, que o homem é o único ser racional. Isso queria dizer basicamente, que somos o único animal que pode resolver suas desavenças conversando, e era assim que ele pensava que aquilo devia ser resolvido.
O próximo passo então, foi tomar coragem para ir até o garoto. Pensou que o momento certo seria o dia que ele não estivesse tão hostil, pois em alguns dias ele parecia simplesmente não querer confusão, mas isso era raro.
Então ele seguiu sua rotina até o dia que passou pelo outro jovem, já na volta da padaria, com uma sacola cheia de pães ainda quentes, e não houve reação. Pensou então: "É agora".
Voltou e chamou o outro garoto: - Hei, posso te perguntar uma coisa? - suava frio com medo da reação do outro menino, que vendo mais de perto, realmente era bem maior que ele.
O outro apenas abriu um pequeno sorriso de canto de boca e balançou a cabeça positivamente. Ele então seguiu:
- Porque você implica tanto comigo? Eu nunca te fiz nada...sério, não entendo porque...
Apesar do silêncio do outro menino e do iminente perigo que ele pensava correr, não se moveu, a espera de uma resposta.
- Sei lá, acho que nada. Faço só por diversão mesmo . - respondeu então o agora arrogante oponente.
Ele seguiu firmemente.
- Então eu quero saber se tem como parar. Eu não fiz nada pra ti. Só quero poder ir na padaria em paz. Só isso. Tudo bem?
- Tá bom - respondeu o outro, rindo e virando-se em direção a sua casa.
O menino então deu meia volta e retornou ao seu trajeto. Estava claro para ele, que tinha tomado a atitude certa. Se ele pode resolver isso conversando, por que fazer de outra forma?
E assim seguiu seu caminho pensando porque muitas pessoas preferiam brigar, machucar e até matar se o homem tem essa vantagem, esse dom da fala. Imaginando porque optar pela violência, se o homem pode conversar e chegar a soluções pacíficas para seus problemas. Definitivamente não entendia aquilo, mas seguia certo que a parte dele estava fazendo e naquele dia chegou em casa orgulhoso de si.