segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A dívida!

João Vigário saiu de casa naquele dia frio de inverno. Ao pisar na rua, sentiu o forte vento gelado, como que cortando sua face. Não queria estar enfrentando aquilo tão cedo, mas essa era sua nova vida. Sabia que para voltar a ser o que fora um dia, tinha que aguentar mais um tempo este tipo de sacrifício.
Seu relógio de pulso, comprado em uma banca de camelô, com a pulseira já gasta, marcava 6h15 da manhã. Sua rotina era essa desde que conseguiu o trabalho na obra comandada por um pedreiro seu amigo. Viu ali a oportunidade para recomeçar. Afinal, aqueles 9 anos na prisão haviam lhe tirado tudo que tinha. Esposa, emprego, casa e "amigos".
Na ânsia de aprender mais sobre a nova tarefa, era um dos primeiros a chegar e mesmo com toda a dificuldade e com o sofrimento que havia passado nos últimos anos, não era um homem triste. Pelo contrário. Alegrava seus companheiros de trabalho. Ora cantando uma canção junto com o radinho de pilha, que no volume máximo parecia mais uma caixa de abelhas, ora contando um "causo", ou apenas resmungando coisas que quase ninguém entendia.
Era tão descontraído, tão alegre, tão agradável e companheiro, que estava sempre respondendo questionamentos de como havia ido parar na prisão. Como um homem com aquele estado de espíríto havia matado outra pessoa? se perguntavam os que conheciam João. Ao que ele respondia de pronto:

- Quer mesmo saber?

- Claro...

- Então senta aí que eu te conto - dizia apontando para o banquinho de madeira logo ao lado.

- Tu já ouviu falar em azar Zécão? Pois, foi o que aconteceu comigo. Eu tive o azar de encontrar um cara que só queria confusão e no fim das contas, eu acabei preso por assassinato.

- Mas como foi isso João? - já perguntava outro que havia chegado mais perto para ouvir a história.

Era horário de almoço do pessoal e João limpou a garganta antes de seguir com os fatos...

- Toda sexta-feira, quando eu saía da escola onde eu tava fazendo um desses cursos técnicos sabe, eu ia para um bar. Sabe como é, fim da semana né, eu ia lá tomar uma cerveja e dar umas risadas com os colegas de curso. A gente ia sempre no mesmo lugar, pois tinha uma mesa de sinuca muito boa e ali ficávamos por horas. A gente não arrumava encrenca com ninguém e o dono do bar conhecia todo o grupo já. Como tu deve ter percebido já, eu sou muito brincalhão e sempre fui assim, sabe. Chegava lá, começava a jogar e a cada vitória a gente ficava tirando sarro um do outro. Coisa normal.

- Mas e o azar João? Onde que tá o azar? - perguntou outro mais curioso.

- Calma rapaz...to chegando lá. Então, naquela sexta-feira, a gente fez o que sempre fazia, mas quando chegamos no bar, deu para perceber um sujeito estranho num canto bebendo com outro um pouco mais jovem que ele. Pareciam irmãos. Nós esperamos a mesa de sinuca desocupar e fomos jogar e nos divertir. Lá pelas tantas, um dos meus amigos ficou tirando sarro de mim e o tal sujeito parece ter se invocado com ele. Achou que a gente tava ali apenas debochando dos outros e veio querendo briga. Nós, como de costume, ficamos naquela do deixa disso, mas ele queria briga e foi o que conseguiu. Acertou um soco de direita no Marcelo, meu amigo, que parecia o Rocky Balboa contra o russo aquele do filme...

João parou para ouvir as risadas dos seus agora muitos ouvintes. E continuou...

- Quando o Marcelo caiu, o sujeito quebrou a garrafa que tinha na mão e veio na minha direção. Eu então tive que me defender. Era isso ou a morte. E na briga quando consegui tirar a garrafa da mão dele, no impulso avancei e acabei acertando o jovem que estava com ele, e que havia se intrometido para lhe defender. Naquele mesmo momento, a polícia tinha chegado no bar e o que eles viram foi eu segurando o jovem desfalecido e com a garrafa quebrada na mão. Ele era irmão do tal sujeito mal encarado que jurou vingança. A polícia me levou e não teve advogado que me salvasse rapaz. Até porque, com o pouco dinheiro que eu e minha família tínhamos, não podíamos pagar muito. Acabei indo parar na prisão. Fiquei lá nove anos. E o azar Juca, foi de ter encontrado aquele sujeito no bar e de ele ter escolhido justamente nós para invocar. O azar foi acertar o irmão dele no meio da briga, que até aquele momento tava quieto no canto dele. O azar tava na polícia chegar só na hora que eu acertei o vivente e não para ver o princípio da confusão. E o tal do azar tava de novo quando meus "amigos" simplesmente me abandonaram quando viram que eu era o único acusado.

João terminou a história e viu o rosto dos seus ouvintes. Alguns murmuravam algumas coisas e outros apenas olhavam para ele. Quando o chefe da obra gritou para voltarem ao trabalho, seguiram todos para seus afazeres e João Vigário seguiu com seu jeito alegre de sempre.
Às  18h15, quando a noite começava a se debruçar sobre a cidade, João deixava a obra rumo a sua casa. Queria um banho quente e o conforto de casa. Queria descansar. Apesar do sofrimento nos anos na cadeia, não era um amargurado. Sabia que tinha apenas se defendido. Tinha dentro de si a esperança de conseguir retomar sua vida. Voltar aos estudos e concluir o curso que havia começado. Tinha certeza que havia pago sua dívida e vivia em paz com isso.

Quando dobrou a esquina de casa, João viu ao longe uma moto que vinha no sentido contrário. Só foi se preocupar quando a moto parou ao seu lado. Virou o rosto para ver do que se tratava, ouviu um grito e só teve tempo de ver aquele rosto enfurecido falar: "eu falei que tu ia pagar pela morte do meu irmão..."

Quatro disparos a queima roupa. A moto saiu em alta velocidade antes que qualquer pessoa pudesse ver nem sequer a cor. João morreu ali no local. A poucos metros de sua casa. E a dívida, que ele achava que havia pago na cadeia, cobrou como juros, a sua vida.

6 comentários:

  1. Pow, muito bom o texto, envolvente, da curiosidade em ler a linha sequente. Chegando no fim da história, me lembrei do rap do silva..eheheh. "todo mundo devia nessa história se liga..." eheheh. "era soh mais um silva que a estrela não brilha, ele era funkero mas pera pai de família"..heehhe. muito bom. o meu presidiário ficou só dez meses... quem sabe eles se conheceram nesse meio tempo! uahauhaua. abraço aeh maluco, mto bom o texto!

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  2. Daí Ritter...bah, tu falando agora, eu lembrei da música também... hehe...

    vai saber... o "teu" presidiário lá não comentou sobre o João Vigário? hehe...

    Valeu aee...

    abraço!

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  3. Muito bom de ler o seu texto, parabéns! Quando apareceu a tal moto, senti o mau presságio que você estava dando ao personagem. Parece uma história real, pois, infelizmente, tem aparecido muito nos jornais os assassinatos cometidos por quem está na moto. Uma pena as pessoas manterem a vingança dentro do seu ser. Uma pena também elas acharem que vão ser felizes quando realizarem a "doce" vingança. Vingança, para mim, é associada ao egoísmo. São sentimentos horríveis e espero jamais ter isso em mim. Enfim, ler este texto também me fez lembrar do seu penúltimo post. O irmão vingativo precisava aprender com o menino. Um abração da Lu!

    Obs.: Amanhã será publicada a sua entrevista.

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  4. Oi Luuu...

    pois é, a moto pode entregar o final... hehe...

    sobre parecer história real, pode-se dizer que foi baseado em uma história real, acontecida na segunda-feira aqui. Inclusive, foi capa dos jornais da cidade aqui. Só que eu inventei toda a história baseada na cena do crime sabe... mais ou menos isso...

    Sobre a vingança...é um sentimento realmente horrível e quando não se consegue controlar, normalmente acaba em tragédia mesmo.

    Realmente... o menino é um exemplo... ele poderia ter ficado com vontade de se vingar... hehe...

    Abração pra você Lu e obrigado pela visita.

    e Obrigado pela oportunidade de ser entrevistado...ficou legal lá... hehe... mas continuo achando estranho...

    Abraços do Mr.!

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  5. Oh, não acho legal quando um cara inocente morre sem nada ter feito, também sei que cada um trás suas coisas para sofrer..e o João trazia um grande karma...

    Se foi verdade que ele esteja em paz e que o culpado seja preso e saiba que vingança não é aceite, há formas de espiar o crime...

    Um jinho seu jornalista de crime organizado ehhhhhhhhh..estou brincando..laura
    as letras agora se lêem bem,,bigada pelo arranjinho.

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  6. Laurinha... pois é... não é legal... mas a história é ficticia hein...ela foi baseada em um fato real, porém todo o contexto e o antes foi criado desta mente maluquinha aqui... hehe...

    obrigado pela dica e pela visita...hehe

    Abração do Mr.!

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